O SUCESSO A UM TOQUE
Webséries revolucionam conteúdos online e, diante de acessos astronômicos, se tornam lucrativas a ponto de instigar grandes corporações de TV.
Por Katia Dias
Matéria publicada pela Revista F. Cultura de Moda #14
Costanza&Marilu_©Isaac Niemand
Moda, maquiagem, saúde, humor, romance, política. Não importa o conteúdo, se as visualizações chegaram próximas da estratosfera é hora de seguir em frente com mais ousadia e garantir um novo patamar para o talento, inclusive financeiramente. As webséries estão roubando a cena até das produções mais elaboradas das grandes salas de cinema e das poderosas emissoras de TV, e a razão é o fácil acesso à internet graças aos smartphones e computadores, em que (Glauber Rocha que nos perdoe) uma ideia na cabeça e um celular na mão são suficientes para garantir um episódio e tanto.
Do engajado e internacional “Marx ha vuelto” ao cômico e brasileiríssimo “Porta dos fundos”, há espaço para um pouco de tudo, com promessas de futuro bem sucedido a quem chegar ao coração, ou melhor, ao toque do indicador dos internautas. Bernie Su, Kate Rorick, Camila Coelho, Gabriela Pugliesi, Fábio Porchat e Clarice Falcão são bons exemplos daqueles que conseguiram se posicionar no competitivo mercado televisivo, depois de estourarem online. Docente do curso de Comunicação Social da UFJF, mestre em Multimeios e doutorando com pesquisa em torno da utilização do Cinema Documentário na formação de professores, Cristiano Rodrigues explica esse fenômeno.
“O aumento de conteúdos audiovisuais produzidos essencialmente para o universo online mostra como a internet possibilitou a tão sonhada democratização dos meios de produção, que uma geração inteira de jornalistas e comunicadores sonhou. No entanto, um olhar mais atento evidencia que esse aumento não é tão democrático como parece, pois uma câmera e um computador não são para todos”.
Da margem para o centro
Cristiano diz que esse boom de webséries mostra também que o universo online permitiu ao espectador lançar mão de ferramentas para não só consumir, mas produzir conteúdo e informação. “E agora são as grandes corporações de comunicação que ficam de olho na rede para descobrirem novas ideias”, analisa. Crítico, ele dispara: “É um recado da margem para o centro. É a periferia estigmatizada e deslocada dos grandes processos produtivos dizendo para os detentores do poder o que sentem, como se emocionam e por que querem ver e ouvir isso, e não aquilo”.
O professor dá dois exemplos bem diferentes de videologs que dizem muito sobre esses discursos marginalizados. “No Brasil, um grupo de gays incomodados com o preconceito e a homofobia criaram o ‘Põe na roda’, em que seus autores se misturam aos personagens e constroem uma narrativa emocionante e bem humorada. Na Argentina, os episódios de ‘Marx ha vuelto’ tentam atualizar as questões levantadas pelo alemão Karl Marx, contrariando inúmeros teóricos europeus que dizem que, no mundo de hoje, não faz mais sentido o Manifesto Comunista. São discursos à margem, sinalizando que o centro não está com essa bola toda”.
Desafios
Para a documentarista Karla Holanda, autora do premiado “Katia” – sobre a primeira travesti eleita para um cargo político no Brasil -, o grande desafio dos internautas é descartar o lixo e detectar o que realmente tem qualidade. Professora do mestrado em Artes, Cultura e Linguagem da UFJF, ela destaca que programas específicos para a internet têm estrutura própria e estimulante. “Incentivo meus alunos a filmar e difundir na rede, onde é possível conseguir visibilidade em canais como o Youtube”.
Após estudar cinema por dois anos e meio em São Paulo e um ano em Hollywood, a jornalista Mariana Vieira cultiva seu futuro em Los Angeles, a terra dos sonhos. Com documentários, longas e curtas-metragens na bagagem, ela enxerga as webséries com otimismo. “Este ano, participei de um episódio como atriz. Foi uma experiência muito bacana ver como o conteúdo online chega ao espectador mais rápido, e o feedback também. O mundo muda todo dia, novas tecnologias, ideias e acontecimentos. O universo do filmmaking não vai ficar para trás, webséries terão vida longa e mais formatos bacanas vão aparecer”.
Para ela, a grande questão é produzir um bom produto com o menor orçamento possível. “Um vídeo de qualidade requer equipamentos de alta tecnologia, que custam caro. As webséries têm como vantagem a facilidade de distribuição, pois basta fazer o upload no webchannel desejado, Youtube, Funny or Die e muitos outros. Com o problema da distribuição resolvido, sobra orçamento para investir em qualidade. Assim, o produtor de uma websérie já sai ganhando, e daí vem o real desafio: conteúdo. Afinal, desafio mesmo é escrever e filmar algo novo, interessante e lucrativo”.
Amplas possibilidades
“Outra questão é a remuneração, por conta dos gastos, mesmo que mínimos, com equipe, produção. Esse é um ponto interessante e estimulante, porque o realizador tem um campo enorme a desbravar, onde é preciso mostrar qualidade e difundir para ter retorno”, ressalta Karla Holanda, que não vê limites ou fronteiras culturais na Internet. “‘The Lizzie Bennet diaries’, videolog criado nos EUA em 2012, rapidamente migrou para a TV, conquistando o Emmy em 2013. Baseado na obra da inglesa Jane Austen, já no primeiro episódio online obteve perto de dois milhões de acessos. Um trabalho criativo, barato e simples, que deu um caráter contemporâneo a uma narrativa do século XIX”.
Morando em Asheville, Rita Hutchins faz vídeos sobre ioga, exercícios de memória, soluções para o envelhecimento e EFT (Emotional Freedom Techniques), uma terapia que pode ser autoaplicada. As inscrições em seu canal online chegaram a nove mil e os acessos a 1 milhão e 300 mil, vindos de países como Brasil, Portugal, EUA, Inglaterra, Canadá, Japão, Austrália, Espanha, Alemanha e Índia. Ela recebe cerca de US$200 do Youtube, com propagandas adicionadas aos episódios, e consegue vender produtos, como um adesivo de silicone que elimina rugas do colo. “E ainda tenho grandes alegrias que chegam em comentários e agradecimentos. Fiquei mais de um ano sem fazer vídeos, mas os fãs nunca pararam de escrever e de se inscrever. Alguns sugerem livros e cursos, possibilidades que ainda não descartei”.